14 março 2016

Manga com leite e dissonância cognitiva

Talvez do que a sociedade brasileira em geral esteja sofrendo seja uma dissonância cognitiva.

O nome que se dá quando a pessoa vê, ouve ou lê uma informação qualquer e não entende o que está sendo visto, falado ou lido.

Ou mesmo interpretando de acordo com os seus preconceitos, tabus, filtros, traumas ou bloqueios.

Em defesa ao ego, o humano é capaz de contrariar mesmo o nível básico da lógica, podendo negar evidências, criar falsas memórias, distorcer percepções, ignorar afirmações científicas e até mesmo desencadear uma perda de contato com a realidade (surto psicótico).

O Brasil está passando por isso em todos os sentidos.

Aponta culpados onde talvez não existam, mistura cargos políticos em suas atribuições e responsabilidades e cargos executivos da mesma maneira e o rol de atribuições próprias de cada um. 

E aí temos essa grande salada que mistura berinjela com doce de leite e coloca a culpa nos dois pelo gosto ruim.

Socialmente falando, requer paciência. Não fomos acostumados a participar ativamente em todo o tecido social e mais, fomos acostumados a ver separação entre padrões financeiros, direitos, gênero, aparência.

O poder de decisão sempre foi transferido a alguém, o direito de voz também, herança das mais tristes de um processo que remonta aos tempos de colônia e ao qual, muitos ainda estão apegados.

Costumo me referir a isso como “guardar o defunto na sala”, vigiando tudo, determinando as regras, os costumes e prevendo a “consequência natural” de cada ocorrido, não obstante seu estado obviamente morto. Ou o retrato do ancestral na parede.

As estruturas de poder vigentes utilizam essa dissonância cognitiva para estabelecer as diretrizes e o “melhor” para essa massa obediente, como a rã mergulhada na panela de água fria e sob a qual se coloca fogo.

Quando a rã perceber o calor, já será tarde.

Nossos antepassados foram acostumados a aceitar esse estado de coisas, com medos básicos do tipo: “ruim com ele, pior sem ele”; “melhor um pássaro na mão que dois voando”; “quem acorda cedo bebe água limpa”; “manga com leite mata”; “rouba, mas faz” e uma infinidade de afirmações profundamente enraizadas no inconsciente coletivo dessas bandas da Terra com o propósito de manter a desconfiança e a usura como padrões comportamentais da sociedade e pelos quais, os mais espertos acabam por se favorecerem.

Agora, neste tempo em que segredos não ficam mais sob o tapete e que uma quantidade de pessoas percebe o esbulho a que foram submetidas, ainda por força das inúmeras crenças restritivas a que foram submetidas por cinco séculos, cria-se um verdadeiro ambiente de caos, do qual aquelas velhas forças se servem ainda para ocuparem os melhores lugares dentro da sociedade.

A internet conectou tudo e todos, numa velocidade muito maior do que mudança de antigos paradigmas e por conta disso, esse turbilhão de informações acaba por soar sem sentido para muita gente.

Depois de assado o peru, é tempo de limpar a assadeira, tarefa bem trabalhosa por sinal e que requer paciência e muito sabão.

O Brasil de hoje é uma grande assadeira que precisa ser lavada e o peru de antigamente já não satisfaz mais, mas a fome continua e a diversidade de opções e jeitos de se preparar a comida, criou mais bagunça ainda na cozinha.

Já aconteceu outras vezes, com o povo esperando do lado de fora a solução do cozinheiro. Já comemos cru e queimado, frio e sem tempero, já ficamos com o prato vazio e a única solução é lavar bem as mãos, colocar a touca e o avental, pelo menos para saber de que jeito estão fazendo aquilo que nos vão oferecer.

Dá trabalho, mas fora isso significa continuar comendo o mesmo peru, com o mesmo gosto e nas mesmas porções, resmungando baixinho por não agradar o paladar.

Dissonância cognitiva se cura com paciência e estudo, com participação e responsabilidade e com disciplina.

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