Meu amigo Alexis Kauffmann publicou no seu blog um desabafo, que deve rondar a cabeça de muita gente por esse Brasil afora e que eu publico aqui porque também me incomoda essa mansidão social que nos assombra. Se você quiser aproveitar leia também Dar de Beber a Lázaro, que eu publiquei aqui mesmo em 2006. Fiquem agora com o texto do Alexis e se quiserem, tomem uma atitude. Aquele Abraço.
A Cultura do Cagaço ou Porque o brasileiro não reage
Essa questão aparece em tudo quanto é discussão. O governo apronta mil e umas, todo mundo se ferra, mas ninguém pega uma panela e vai para rua protestar. Por quê?
A questão é: você se manifesta? Por que não se manifesta? Por que você não pega a panela para protestar?
Porque você sabe que não vai ser apenas ignorado. Sabe que aqueles que deveriam se juntar a você, batendo panelas com você, serão os primeiros a se afastar de você, como de um leproso.
Você será alvo de humor sarcástico, você será alvo de deboche, você será alvo de todo tipo de insulto. Por quê?
Porque o brasileiro sabe que só é mantido vivo pela benevolência dos poderosos. Em nossa memória coletiva, temos bem guardados os massacres de Canudos, os porões da ditadura militar, os porões de Getúlio Vargas, os pelourinhos dos colonizadores, a chibata, o açoite, o navio negreiro, o massacre da Candelária, o massacre de Vigário Geral, o massacre dos índios, o massacre do Paraguai, o massacre, o massacre, o massacre.
Em "Tiros em Columbine", o Michael Moore discorre sobre a cultura do medo nos EUA. É que ele não conhece o Brasil. Aqui, impera a cultura do cagaço.
Não sabemos exatamente o que pode acontecer se abrirmos a boca. Mas sabemos que não pode ser coisa boa. E, na dúvida, continuamos calados. E caímos de porrada em quem abre a boca, para não sobrar para nós! Porque nós sabemos que, quando os poderosos se sentem ameaçados, não vêem mulheres, crianças ou inocentes. Na dúvida, matam todo mundo. Mandam a Tropa da Elite (eles gostam de pensar em si mesmos como "elite") passar o rodo, passar o serol, calar a boca de todo mundo.
Se, no processo, morrerem vinte que não abriram a boca, tanto melhor: na lógica do colonizador brutal, cruel, perverso, sádico, vinte inocentes mortos são bons para servir de "exemplo" aos sobreviventes.
Por isso o colonizador chega aqui e logo empala o indígena na imagem da cruz. Jesus Cristo crucificado é a mensagem perfeita do poderoso para o escravo: "Está vendo o que acontece com quem abre a boca para falar a verdade"?
É. Quem abre a boca para falar a verdade é chicoteado, açoitado, humilhado, xingado, cuspido, pisoteado. Obrigado a carregar a própria cruz morro acima, para ser pregado nela com uma coroa de espinhos e morrer em lenta agonia por três dias intermináveis.
Não existe mensagem mais direta do que a do crucifixo no altar. A cultura do cagaço começa com o cristianismo católico impingido goela abaixo. E continua com Tomé de Souza pacificando os índios. Fácil pacificar os índios: basta amarrar um deles na boca de um canhão e disparar, para servir de exemplo.
E continua com Anhangüera ameaçando incendiar os rios com cachaça. E continua com o esquartejamento de Tiradentes (não faz diferença se realmente aconteceu ou não: o que importa é o EXEMPLO, o CAGAÇO que ficou na nossa memória histórica!)!
E continua com massacres e mais massacres, intermináveis massacres de homens, mulheres e crianças. Depois de 5 séculos de massacre, não é surpresa que só tenham restado cordeiros que caminham alegremente para a próxima CPMF, resmungando pelos cantos e pela Internet, mas não muito alto, porque "pode dar problema". "Que problema" - você pergunta. "Ah, sei lá, problema ué". "Mas como você é cagão, hein?"
Só aí você verá um brasileiro valente. O brasileiro é um cagão seletivo. Ele só se caga diante dos poderosos. Diante de seus iguais, ele adora mostrar-se tão opressor quanto os que o oprimem. É o momento de vingança, de revanche por séculos de opressão. É nesse momento que ele vai pegar a arma no porta-luvas e matar você.
Alexis Kauffmann